O nome era Rita. Não sei dizer de signos, mas a personalidade certamente era de fogo. Os pequenos amigos da vizinhança traziam aquele olhar de crianças que nascem sem futuro, sem a opção, a disposição ou o incentivo de lutar por um. Rita não. Rita tinha um olhar feroz, daqueles que desde muito cedo compreende a realidade e decide por mudá-la. Rita sempre soube que quis sair dali, sair do racionamento geral, o da casa, o da comida, o da roupa, o da inteligência, o do conhecimento, o da vida. Incomodava Rita ver a acomodação das pessoas a sua volta com o tão pouco que tinham e o conformismo de que aquilo era mesmo tudo que teriam até que alguma coisa extraordinária - e que não dependesse delas - acontecesse. Talvez faltasse à pequena Rita os calos de viver anos e anos muito duros, de se desiludir com promessas falhas, de não conseguir realizar seus sonhos ou dar minimamente a possibilidade de sonhar aos seus... Mas sobrava a Rita a disposição da pouca idade e faltava qualquer limite quanto ao alcançável. Rita queria sair do lugar que nasceu, sair da estratificação incorrigível, sair da miudeza, da pobreza e da ignorância. Certo dia, um desses de muito vento e um tanto frios, Rita saiu pra soltar uma pipa que ganhou de alguém. Queria ir sozinha, precisava pensar sozinha, fora da caixa dos amiguinhos e dentro da própria cachola. Pegou o caminho mais difícil, o que ninguém fazia, e chegou no topo do morro pra libertar sua pipa e sua pequena grande cabeça. Quando pegou força, a pipa ficou firme num voo controlado por Rita, que ditava, com alegria pelo papel de controle, pra que lado voariam aqueles papeis colados em gravetos. Rita observou a pipa com muita atenção. Rita arrepiou-se e queria ser a pipa, queria voar. Talvez seus olhos tenham ficado marejados como ficam os olhos no momento do nascer das boas ideias. Mas Rita era uma pequena durona, os olhos marejados permanecerão um mistério e um conhecimento exclusivo e íntimo dela. Rita recolheu a pipa do ar com cuidado, puxando a corda devagar. Sentou-se no chão, começou a cortar e dar nós, cortar e dar nós. Rita prendeu-se à pipa, amarrou às costas, era assim que se voava. Respirou fundo e desceu correndo o morro, pegando impulso, abraçando o vento. Não havia dúvidas de que Rita voaria longe, alto, brilhante! A ferocidade de Rita amarrada ao vento era a garantia de que sairia do lugar. E saiu.
Comentários
Postar um comentário